sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dilma é favorita porque ganhar mais é aposta de risco para maioria, diz diretor do Vox Populi


Num país de voto compulsório, a grande parcela do eleitorado desinteressada de política não quer ter trabalho de comparar biografias ou governos. Tende ao voto mais fácil. Se está satisfeito, opta pela continuidade. É assim que Marcos Coimbra resume suas convicções no favoritismo da candidata do PT – “Ela é favorita, o que não quer dizerque vai ganhar”.
No Vox Populi desde 1987, depois que concluiu o doutorado em Ciência Política na Universidade de Manchester, Coimbra hoje é seu diretor de pesquisas. E as realiza tanto para o PT de Dilma Rousseff quanto para o PSDB de José Serra.
Aos 59 anos, carioca radicado em Belo Horizonte, Coimbra transformou o amplo apartamento onde morava, no bairro de Serra, no escritório onde trabalha sozinho, longe do burburinho do Vox. Foi nesse apartamento, entre obras de Iran do Espírito Santo, Vik Muniz, Mario Cravo Neto e Cildo Meirelles, onde, na tarde de segunda-feira, falou ao Valor.
Valor: Esta campanha vai ser uma disputa de biografias ou uma comparação de governos?
Marcos Coimbra: Esse é o cabo de guerra em que as duas principais forças políticas brasileiras estãoenvolvidas hoje. O Lula e o PT procurando trazer a eleição para essacomparação de projetos, enquanto a oposição e Serra tentandotransformar a eleição numa guerra de biografias. Lula sabe que a grandemaioria compara favoravelmente o governo dele em praticamente todos os aspectos e gosta mais dele do que do último presidente. Então, para o PSDB só resta a comparação da biografia, mas não acredito que seconsiga mudar essa percepção ao longo da campanha. Acho muito poucoprovável que tenha sucesso essa estratégia de convencer a população quetudo que há de bom, se é que há alguma coisa de bom no governo Lula,vem do antecessor.
Valor: Este terço que Serra obtém em pesquisas não embute uma comparação favorável ao PSDB?
Coimbra: Francamente não creio. Esse terço de Serra é a soma de várias razões. É um componente anti-Lula e anti-PT do eleitor que pode até ter uma avaliação razoável,satisfatória do atual governo, mas que não gostaria que o PT tivessemais quatro anos. É um desagrado que iria para quem quer que fosse o adversário da continuidade. Tem outro componente que é a admiraçãopessoal por ele. E o peso de São Paulo que acompanha sua administraçãoe já votou nele uma meia dúzia de vezes. Fora do Estado também há muitagente que admira o que ele fez na Saúde.
Valor: Mas isso é suficiente para a permanência de Serra nessa faixa de 30% a 40% há tantos anos?
Coimbra: O fato de Serra ser governador muito bem avaliado, com história antiga no maior Estado do país, é parte da explicação. São Paulo tem mais de 20% do eleitorado. Euma parte ainda vem do antipetismo que se encontra com frequência naclasse média do Sul e do Sudeste. Tolera Lula porque aprendeu a conviver com ele, mas só o Lula.
Valor: São dois candidatos egressos da esquerda que combateu a ditadura e um terceiro nunca identificado ao conservadorismo. O que explica este divórcio com umeleitorado que, como qualquer outro, tem sua fatia conservadora?
Coimbra: Isso tem a ver com a experiência de uns tantos anos de ditadura que, ao terminar, tinha deslocado qualquer discurso que não fosse de esquerda. Isso aconteceuhá muito tempo, mas parte da elite política ainda vem desse ciclo. O que o eleitor ainda tem para situar não é apenas a trajetória docandidato, mas uma visão mais ampla dos aliados . O PSDB tomou umadecisão, no início dos anos 90, de que a única maneira de chegar aopoder, dado que o PT tinha um candidato posicionado em torno de 40%,seria em aliança com a direita. Isso definiu a natureza do jogopolítico e ideológico. Passou a ser difícil olhar para os candidatos do PSDB e vê-los como egressos de uma prática de esquerda.
Valor: O eleitor não identifica claramente a aliança do PT com os partidos de direita?
Coimbra: Não, porque pela natureza do PT, pelo modo como entrou na política e foi objeto de tomadas deposições antagônicas, ocupou o território da esquerda.
Valor: O fato de Dilma ter se envolvido com a luta armada até que ponto agrega ou retira votos?
Coimbra: É um sentimento minoritário. A impressão que tenho, vendo pesquisas qualitativas, é que uma parte grande do jovem eleitor – e 30% do eleitorado tem menos de 30anos – foi educada dentro de valores muito mais favoráveis a quemestava lutando contra a ditadura.
Valor: A classe média tradicional que paga mensalidades caras para o filho concorrer com cotistas, assiste o trânsito piorar com carros vendidos a 96 prestaçõese se vê espremida entre a base e o topo da pirâmide social, não é ogerme desse conservadorismo?
Coimbra: O antipetismo da classe média tem mais a ver com valores políticos e ideológicos, e não com causalidade socioeconômica. Não sei avaliar o tamanho dessainsatisfação porque o desenvolvimento beneficiou de forma razoavelmentehomogênea a sociedade como um todo. Pelo menos não vejo reflexo naspesquisas. Parte da classe média não desgosta do PT porque perdeu dinheiro, status ou consumo. Apenas não gosta.
Valor: O eleitor pode ganhar mais?
Coimbra: Ganhar mais é sempre aposta de risco para o eleitor. Ele está acostumado a ouvir promessas. E em grande parte por isso às vezes se contenta com algo bem menosexigente, que é não perder. O que esta eleição tem de diferente é queagora esses dois lados não vão se contrapor em termos do que prometem,mas do que fazem quando chegam ao poder. O eleitor não vai mais olhar para o petismo e imaginar que tudo vai ser bom. Embora Lula tenha 80%de aprovação, quando você olha política por política percebe que aavaliação positiva não é homogênea.
Valor: Da disputa entre Serra e Aécio em Minas resiste um sentimento antipaulista?
Coimbra: Sim e não. Numa certa parte da elite política local sim, mas como um sentimento relevante no eleitorado, não.
Valor: A intenção de voto dos candidatos flutua muito de Estado a Estado. Os problemas regionais não influenciarão o resultado eleitoral?
Coimbra: Não acho que seja relevante. O fato de Dilma não ter candidatos fortes em alguns Estados não tem relação com a sua intenção de voto e a mesma coisa em relaçãoao Serra. O Serra tem problema no palanque gaúcho e lá tem vinte pontosa mais que a Dilma.
Valor: A situação no RS é muito diferente do quadro nacional, e não é de agora, por que isso?
Coimbra: No Rio Grande do Sul, o quadro é largamente favorável a Serra. No Paraná, nem tanto, em Santa Catarina, não são. Nos Estados onde há uma percepção de uma grandemelhora nos últimos oito anos, há uma clara tendência na aposta àcontinuidade.
Valor: Aécio terá mais capacidade de puxar voto para o PSDB nacional em Minas do que em 2006?
Coimbra: Em 2006 ele era o candidato à reeleição, fez tudo que estava em seu alcance e quem ganhou em Minas foi o Lula. Acho que Lula tem mais força eleitoral que Dilma,mas quando o eleitor quer fazer uma aposta na eleição presidencial,dificilmente o entorno é tão relevante.
Valor: Minas hoje tende à continuidade ou à mudança?
Coimbra: Minas tende à continuidade nos dois planos, no estadual e no federal. Embora hoje quem esteja na frente na eleição para governador e para presidente represente mudanças.
Valor: E o que o leva a concluir isso?
Coimbra: O eleitor não conhece suficientemente nem Anastasia nem Dilma. A tendência é que a vantagem do Serra diminua em relação à Dilma e a do Hélio Costa em relação aoAnastasia também.
Valor: No caso de SP, o que explica os mais de 50% de Alckmin?
Coimbra: Alckmin foi o governador mais bem avaliado da história recente de São Paulo. Mais bem avaliado que o Serra e que o Covas. O voto no Alckmin tem uma densidade muitomaior do que outros candidatos que têm o recall como sua explicação fundamental.
Valor: Ele extrapola a força do PSDB no Estado?
Coimbra: Várias vezes. Bem, a força do PSDB, como sabemos, não é uma coisa muito relevante nem mesmo em São Paulo.
Valor: Marina tem potencial para levar a eleição ao segundo turno?
Coimbra: Com todo o risco envolvido em uma resposta tão longe da eleição, diria que não.
Valor: Mesmo considerando os candidatos nanicos?
Coimbra: Os nanicos, mesmo se forem muitos, dificilmente vão passar de 2,5% dos votos. O cenário de crescimento da Marina é muito desfavorável. De um lado ela pode serespremida por duas candidaturas que cedo polarizam. Se o Ciro disputar,aumenta o cenário de crescimento dela, porque deixa uma eleição menos polarizada. Sem Ciro, o horizonte dela é menor. Porque faz com que grande parcela do eleitorado pense que tem que resolver logo.
Valor: Ela tem um potencial menor do que Heloisa Helena em 2006?
Coimbra: O eleitor que olhou com interesse para a Heloísa Helena e acabou votando nela tinha um componente de protesto à esquerda contra o mensalão. Esse elemento naeleição deste ano não é significativo e Marina não expressa isso. Ela não se posiciona politicamente, mas em favor da agenda ambiental.
Valor: Ela tem a limitação de um candidato temático como o Cristovam em 2006?
Coimbra: Sim, mas ela pode ir um pouco além. O tempo de TV reservado à divisão igualitária é 30% do total. Se dividisse por quatro, daria um minuto e pouco para cada.Somado ao tempo do PV já seria expressivo, mas como deve haver muitosnanicos, ela vai acabar tendo um pouco mais que Eymael.
Valor: Lula tem aprovação maior entre as mulheres e Dilma um patamar de intenção de votos também mais baixo nesse eleitorado. Ela soma a rejeição das eleitoras pelo fato deser mulher e apoiada por Lula?
Coimbra: Não, nem uma coisa nem outra. Ela tem uma menor participação no voto feminino porque é maior a proporção de desinformação e não envolvimento com temas políticos eadministrativos nesse eleitorado.
Valor: Mas por outro lado é a mulher que leva o filho ao posto de saúde e luta por vaga em escola pública. Isso não lhe dá uma experiência de como funcionam os governos?
Coimbra: Sim, mas é uma experiência de cotidiano
Valor: Despolitizante?
Coimbra: Não é despolitizante, mas pode ser despolitizada. Essa experiência é uma fonte de politização, mas tem que ser politizada. E isso, lamentavelmente, não acontece nanossa sociedade.
Valor: Esse grau de desinformação ainda explica o voto num país onde as mulheres já são mais da metade em muitas universidades?
Coimbra: O diferencial de envolvimento e de participação política entre homens e mulheres continua a ser explicado pelo grau de informação no mundo inteiro. Essa diferença tende a desaparecer com o tempo, mas ainda é um elemento da cultura política brasileira.
Valor: O senhor quer dizer que o universo de mulheres bem informadas confrontado ao de homens bem informados não são diferentes?
Coimbra: Sim. E mulheres mais velhas, especialmente, tendem a ter uma maior dificuldade de participação política. Entre os jovens, as diferenças de intenção devoto por gênero são quase irrelevantes. Vão ficando mais significativasà medida que se avança na idade e na zona rural.
Valor: Só não fica claro por que isso prejudica Dilma e não Serra.
Coimbra: Porque isso está ligado à possibilidade de se estar mais familiarizado com alguém que já foi candidato a presidente e ministro da Saúde. O nível de conhecimento dele é mais alto em todas as faixas. Naquelas em que o nível de informação e de participação é muito baixo, o nível de conhecimento daDilma é muito menor do que o do Serra.
Valor: A associação de Dilma com Lula também é mais baixa nesse estrato?
Coimbra: Sim, muito mais baixa que a média. E essa é a razão para o prognóstico favorável a sua candidatura. A vantagem do Serra vem quando se agrega a grande parcelaque não conhece a Dilma. Quando se neutraliza o efeito desconhecimento,ela já está na frente. Claro que há a suposição de que quando todos os que não a conhecem se comportarem de uma maneira pior para ela do queos primeiros, ela cai, mas se eles se comportarem de maneira maisfavorável, ela sobe. E a composição do eleitorado que a desconhece lhefavorece. Tem menor escolaridade, mais Bolsa Família e que está naperiferia dos grandes centros e nas regiões menos desenvolvidas.
Valor: Quem estaria então mais próximo do teto seria o Serra?
Coimbra: Sim, mas ele tem um piso muito alto.
Valor: O eleitorado no Brasil tem tido um descolamento entre escolaridade e renda. O que deriva disso?
Coimbra: A melhora no perfil do acesso à escola é muitas vezes mais acentuada do que a dos indicadores de desigualdade. Como houve nos últimos 20 anos uma melhoria grande novalor do salário mínimo, se a comparação é em termos de unidades desalário mínimo, pode-se ficar com um retrato inexato de que os pobres permaneceram nos mesmos lugares com a melhoria da renda, do poder de compra e a redução do preço de alguns produtos. O resultado é que todo mundo melhorou um pouco, mas mantendo a desigualdade.
Valor: Essa evolução da escolaridade favorece uma campanha mais temática, comparativamente a uma sucessão de ataques pessoais?
Coimbra: Essa evolução aponta para uma parcela cada vez maior de eleitores em condições de consumir informação mais qualificada e até esperando receber do jogo eleitoralmais do que uma dúzia de chavões e frases de efeito, mas é precisoatentar para o ritmo dessas mudanças sobre o resultado quando se tem ovoto compulsório. Essas senhoras que não têm interesse, não têminformação, não se envolvem em questões político-eleitorais, vão votar.Em quase todos os países desenvolvidos do mundo, quem tem esse perfilnão vota.
Valor: Essa evolução do grau de instrução não leva a uma decisão de voto que independe mais da classe?
Coimbra: Uma das coisas que aconteceram no Brasil nestes 25 anos de redemocratização é a formação de uma sociedade política em que as pessoas têm lado e partido. Eu souisso, sou aquilo. E essa formação de identidade política atravessa essas dimensões socioeconômicas. Tem petista e tucano morando no mesmoprédio. O modo como se estruturam essas identidades não é clássico, nãoé em torno de partidos, não porque o brasileiro não goste de partido,mas porque não se permitiu que isso acontecesse.
Valor: Mas Lula insiste na estratificação entre pobres e ricos…
Coimbra: Ele sabe que isso não é a realidade. Você tem uma parcela não pequena das grandes fortunas brasileiras muito satisfeita com o atual governo. Dilma não vai servotada pelos pobres e Serra pelos ricos.
Valor: Mas não foi isso que aconteceu entre Lula e Alckmin em 2006?
Coimbra: O mensalão estava muito presente. Cinco anos depois acredito que é um assunto vencido, não porque as pessoas tenham ficado satisfeitas com ele, mas porque foidigerido pela sociedade.
Valor: Por que o senhor vê Dilma como favorita?
Coimbra: Porque a maioria tem o sentimento a favor da continuidade, tem um envolvimento pequeno com a discussão política, com a comparação das propostas, das biografias eopta pelo modelo de decisão mais simples. Isso não é verdade no Brasilpelas nossas deficiências. Isso é verdade em todas as democracias.Ainda mais no regime de sufrágio universal e compulsório em que aparcela de eleitores de baixa ou pequena motivação é majoritária. Esses eleitores costumam preferir a escolha de custo menor que demanda menos tempo, menos stress e pode ser resumida numa pergunta tão simples como” Você está satisfeito?”
Valor: A inércia pela continuidade será o determinante?
Coimbra: É claro que há brecha para mudança. Todo mundo lembra do que acabou de acontecer no Chile, onde uma presidente com 80% de aprovação não fez o sucessor, mas aConcertación estava há 20 anos no poder. No Brasil, o sentimento “estána hora de mudar” não comanda. Vide o PSDB que está há 16 anos nogoverno de São Paulo e tem um candidato que tem condições muito favoráveis. Vinte anos do PSDB no principal Estado da federação nãocausa espanto a ninguém. Por quê? Um candidato bom veio depois de umbom governo. No plano nacional, há um sentimento de que o outro ladoteve décadas de poder. Em parte as pessoas acham que estes oito anos dePT ainda são pouco frente ao que a outra turma teve.
Valor: Mas a ideia da continuidade já teve grandes derrotas.
Coimbra: A ideia de continuidade funciona no Brasil em eleições municipais e estaduais. Agora vamos ter presidenciais. Não tínhamos tido em 1989 porque o Sarney não tinhacandidato, em 1994 Itamar foi engolido pelo sucessor. Fernando Henriqueperdeu porque não havia ali as condições que temos hoje, em que odesejo de continuidade é maioria. Serra era o candidato da continuidadenuma eleição marcada pela mudança.
Valor: E agora ele é o candidato da mudança numa eleição marcada pela continuidade?
Coimbra: Sim, esse é o problema. Em 2002, 10% das pessoas diziam que o próximo presidente deveria manter tudo o que estava sendo feito e 40% diziam que o próximo deveria mudartudo. Hoje esses números são inversos. Dilma é favorita por essa razão.Ser favorita não quer dizer ganhar, mas ter uma perspectiva muitapositiva.
Valor: O discurso do pós-Lula, nessa análise, tem vida curta?
Coimbra: Quer dizer o quê? Vai manter ou vai mudar? Vai manter o que está certo e mudar o que está errado? Mas isso não quer dizer nada. Não convence.
Valor: Mas o slogan de ‘O Brasil pode mais’ não é uma tentativa de se contornar a continuidade?
Coimbra: Sim, para o eleitor atento. Essa proposta implica um elevado investimento pessoal no processo eleitoral. Você tem que aprofundar o conhecimento daspropostas, o conhecimento minucioso do que foi feito e deixou de serfeito, identificar o que é realista e que pode ser feito no futuro, ou seja, exige um conjunto de características pessoais do eleitor que nãosão fáceis aqui nem em qualquer lugar do mundo.
Fonte: Valor Econômico - César Felício e Maria Cristina Fernandes, de Belo Horizonte

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