terça-feira, 11 de maio de 2010

A escola e as dificuldades de aprendizagem

Recentemente, o pai de um garoto com histórico de dificuldades de aprendizagem disse-me que a escola pediu acompanhamento extracurricular para o filho, e demonstrou desconforto com a situação, ao afirmar que era como se ele pagasse pelo material da escola para entregar ao professor particular, já que as aulas normais pareciam não acrescentar nada ao aprendizado do filho.A Folha deste domingo, dia 09/05, traz uma reportagem (adicionada aqui no MPost) que nos mostra que essa família não é a única a passar por essa situação. São recorrentes os relatos de pais em condição semelhante: filho defasado na escola tendo de apelar para aulas particulares.É certo que alguns aprendizes necessitam de um acompanhamento diferenciado de especialistas e/ou professores particulares. Mas isto deveria ser exceção e não regra. Embora o discurso oficial seja outro, em determinados colégios é crescente o número de alunos que possui ao menos um professor particular. Por que isto tem acontecido? Este não é um tema fácil de abordar, pois os fatores envolvidos se desdobram em vários outros.Em primeiro lugar, há opiniões diversas num mesmo segmento. Enquanto alguns pais não concordam com a indicação indiscriminada de professores particulares, pois entendem que é tarefa da escola dar conta do processo de aprendizagem de seus estudantes, há aqueles que vêem no fato de o filho ter um ou mais professores particulares um sinal de que a escola é puxada e, portanto, boa. Isto passa a ser um problema quando a instituição é questionada em seu projeto pedagógico: de um lado, o grupo de pais que acha que a escola deve ensinar de acordo com as necessidades, potencialidades e limitações de sua clientela e de outro, o grupo daqueles que acham que os alunos devem se adequar ao rigor da escola. O resultado desse embate tem sido quase sempre o mesmo, em diferentes instituições: problemas de aprendizagem tidos e tratados como problemas individuais. É nesta perspectiva que se encaixa o depoimento da uma das mães citadas na reportagem: A sensação que eu tenho é que a escola está nesse momento desistindo dele [do filho]. Me dizendo: eu não dou conta, chame uma outra profissional para complementar. Parece que as escolas só estão querendo ficar com os alunos que assegurem a elas um ótimo posicionamento no ranking no Enem.Eis um outro fator que torna a questão mais complexa: proposto inicialmente como um instrumento de avaliação, para o Ministério da Educação, da aprendizagem de todos os estudantes brasileiros do Ensino Médio a fim de auxiliar a elaboração de novas políticas educacionais, o ENEM passou a ser, para a população, critério de escolha da melhor escola. A divulgação do ranking anual fez com que muitos pais tirassem seus filhos das escolas não tão bem pontuadas para matriculá-los nas escolas mais bem posicionadas.Na rede particular de ensino, a consequência disso é de ordem econômica: para não quebrarem, ou ainda, para lucrarem mais, escolas passaram a visar os primeiros lugares desse ranking. E é aí que cabe a pergunta: as escolas que buscaram (ou buscam) uma melhor pontuação fizeram-no atingindo um grau de excelência no processo ensino/aprendizagem do conjunto de seus estudantes ou selecionaram seus alunos de modo a garantirem uma melhor nota?Alguns dos pais que optaram por “escolas mais fortes” têm entendido que esta pode ter sido uma escolha perversa, quando percebem que seus filhos normais até então passaram a ser vistos como defasados, lentos, dispersos, tornando-se estudantes desinteressados pelo conhecimento oferecido no ambiente escolar. Daí a diagnósticos como TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) e conseqüente uso de medicamento para melhorar o rendimento escolar é apenas um (perigoso) passo que deve ser evitado.No terreno da aprendizagem, o normal é a diversidade de ritmos e modos de apreensão do conhecimento. Toda escola deve ter, em seu projeto educacional, o objetivo de acolher as diferenças pessoais em torno de uma unidade. Mas o que temos assistido é, muitas vezes, a garantia da unidade pela eliminação das diferenças. É a riqueza e o colorido da vida ficando fora da escola.

A mãe de Raquel, 14, paga R$ 280 por mês pelas aulas particulares de ciências uma vez por semana durante todo o ano letivo
Leticia Moreira/ Folha Imagem

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